
"Caro anónimo indignado com a indignação dos professores...
Caro anónimo indignado com a indignação dos professores, homens (e asmulheres) não se medem aos palmos, medem-se, entre outras coisas, poraquilo que afirmam, isto é, por saberem ou não saberem o que dizem edo que falam.
O caro anónimo mostra-se indignado (apesar de não aceitar que osprofessores também se possam indignar! Dualidade de critérios destenosso estimado anónimo... Mas passemos à frente) com o excesso dedescanso dos professores: afirma que descansamos no Natal, noCarnaval, na Páscoa e no Verão, (esqueceu-se de mencionar que tambémdescansamos aos fins-de-semana). E o nosso prezado anónimo insurge-seveementemente contra tão desmesurada dose de descanso de que osprofessores usufruem e de que, ao que parece, ninguém mais usufrui.
Ora vamos lá ver se o nosso atento e sagaz anónimo tem razão.
Vai perdoar-me, mas, nestas coisas, só lá vamos com contas.
O horário semanal de trabalho do professor é 35 horas. Dessas trinta ecinco, 11 horas (em alguns casos até são apenas dez) são destinadas aoseu trabalho individual, que cada um gere como entende.
As outras 24horas são passadas na escola, a leccionar, a dar apoio, em reuniões,em aulas de substituição, em funções de direcção de turma, decoordenação pedagógica, etc., etc.
Bom, centremo-nos naquelas 11 horas que estão destinadas ao trabalhoque é realizado pelo professor fora da escola (já que na escola não háquaisquer condições de o realizar): preparação de aulas, elaboração detestes, correcção de testes, correcção de trabalhos de casa, correcçãode trabalhos individuais e/ou de grupo, investigação e formação contínua.
Agora, vamos imaginar que um professor, a quem podemospassar a chamar de Simplício, tem 5 turmas, 3 níveis de ensino, e quecada turma tem 25 alunos (há casos de professores com mais turmas,mais alunos e mais níveis de ensino e há casos com menos - ficamos poruma situação média, se não se importar). Para sabermos o quanto este
professor trabalha ou descansa, temos de contar as suas horas detrabalho.Vamos lá, então, contar:
1- Preparação de aulas: considerando que tem duas vezes por semanacada uma dessas turmas e que tem três níveis diferentes de ensino, o professor Simplício precisa de preparar, no mínimo, 6 aulas por semana(estou a considerar, hipoteticamente, que as turmas do mesmo nível sãoexactamente iguais -- o que não acontece -- e que, por isso, quandoprepara para uma turma também já está a preparar para a outra turma domesmo nível).
Vamos considerar que a preparação de cada aula demora 1hora. Significa que, por semana, despende 6 horas para esse trabalho.Se o período tiver 14 semanas, como é o caso do 1.º período dopresente ano lectivo, o professor gasta um total de 84 horas nestatarefa.
2- Elaboração de testes: imaginemos que o prof. Simplício realiza, por período, dois testes em cada turma.. Significa que tem de elaborar dez testes. Vamos imaginar que ele consegue gastar apenas 1 hora parapreparar, escrever e fotocopiar o teste (estou a ser muito poupado,acredite), quer dizer que consome, num período, 10 horas nestetrabalho.
3-Correcção de testes: o prof. Simplício tem, como vimos, 125 alunos,isto implica que ele corrige, por período, 250 testes. Vamos imaginarque ele consegue corrigir cada teste em 25 minutos (o que, em muitasdisciplinas, seria um milagre, mas vamos admitir que sim, que épossível corrigir em tão pouco tempo), demora mais de 104 horas paraconseguir corrigir todos os testes, durante um período.
4- Correcção detrabalhos de casa: consideremos que o prof. Simplício só mandarealizar trabalhos para casa uma vez por semana e que corrige cada umem 10 minutos. No total são mais de 20 horas (isto é, 125 alunos x 10minutos) por semana. Como o período tem 14 semanas, temos um resultadofinal de mais de 280 horas.
5- Correcção de trabalhos individuais e/ou de grupo: vamos pensar queo prof. Simplício manda realizar apenas um trabalho de grupo, porperíodo, e que cada grupo é composto por 3 alunos; terá de corrigircerca de 41 trabalhos. Vamos também imaginar que demora apenas 1 hora a corrigir cada um deles (os meus colegas até gargalham, ao veremestes números tão minguados), dá um total de 41 horas.
6- Investigação: consideremos que o professor dedica apenas 2 horaspor semana a investigar, dá, no período, 28 horas (2h x 14 semanas).
7- Acções de formação contínua: para não atrapalhar as contas, nem vouconsiderar este tempo.Vamos, então, somar isto tudo:84h+10h+104h+280h+41h+28h=547 horas.
Multipliquemos, agora, as 11horas semanais que o professor tem para estes trabalhos pelas 14 semanas do período: 11hx14= 154 horas.Ora 547h-154h=393 horas.
Significa isto que o professor trabalhou, no período, 393 horas a mais do que aquelas que lhe tinham sido destinadas para o efeito.Vamos ver, de seguida, quantos dias úteis de descanso tem o professor no Natal..
No próximo Natal, por exemplo, as aulas terminam no dia 18 deDezembro. Os dias 19, 22 e 23 serão para realizar Conselhos de Turma,portanto, terá descanso nos seguintes dias úteis: 24, 26, 29 30 e 31de Dezembro e dia 2 de Janeiro. Total de 6 dias úteis.
Ora 6 diasvezes 7 horas de trabalho por dia dá 42 horas. Então, vamos subtrair às 393 horas a mais que o professor trabalhou as 42 horas de descanso que teve no Natal, ficam a sobrar 351 horas. Quer dizer, o professor trabalhou a mais 351 horas!!
Isto em dias de trabalho, de 7 horas diárias, corresponde a 50 dias!!! O professor Simplício tem um crédito sobre o Estado de 50 dias de trabalho. Por outras palavras, o Estado tem um calote de 50 dias para com o prof. Simplício.Pois é, não parecia, pois não, caro anónimo?
Mas é isso que o Estado deve, em média, a cada professor no final de cada período escolar.
Ora, como o Estado somos todos nós, onde se inclui, naturalmente, onosso prezado anónimo, (pressupondo que, como nós, tem os impostos emdia) significa que o estimado anónimo, afinal, está em dívida para como prof. Simplício. E ao contrário daquilo que o nosso simpático anónimo afirmava, os professores não descansam muito, descansam pouco!
Veja lá os trabalhos que arranjou: sai daqui a dever dinheiro a umprofessor. Mas, não se incomode, pode ser que um dia se encontrem e,nessa altura, o amigo paga o que deve!!!
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